Ainda anestesiado pelo dia de ontem que não passou. Dia como um HOJE cravado sobre os critérios de domínio de um homem sobre outro. E que pautados sobre normas de aprisionamento muitas vezes retrógradas, privam a gente “culpada” de uma real recuperação em casas de detenção para maiores infratores. Infratores. Infratores e infratoras.
O dia foi treze no dezembro de dois mil e dez. Houve cantoria de bons desejos na Ala 4 (feminina) do Sistema Prisional de Ponte Nova, zona da mata mineira, rica em cana de açúcar, suinocultura e bárbaras mulheres de um tempo tomado pelas pedras nas mãos, latas e pulmões. Mas que naquela manhã ensolarada me provocou crença em algo que desconhecia e uma vontade de trabalho continuado. Sim! Um trabalho com o teatro de reintegração social que assisti, aprendi e participei através da última aula ministrada nesse semestre pelos graduandos Álvaro Romão e Thálita Motta, orientados pelo professor Emerson de Paula, naquele presídio.
Percebi. Que das cidades gradeadas a gente retornará às “livres” cidades, submersa pelo mundo que correu sem ela, e que na maioria das vezes, correu contra. Percebi pureza e muita humanidade em pessoas que vivem no limite da sobrevivência. Percebi mulheres finalizando um processo de quatro meses de oficina teatral através do projeto encabeçado pelo professor Emerson. Percebi abraços, conversas, desabafos e troca, muita troca. Principalmente no jogo cênico que partilhamos em roda como fazem velhos amigos. Onde elas, mulheres, jogavam sem pensar e criavam universos tão próximos da realidade que conhecem, num desnudamento sutil, cauteloso, mas muito sincero.
Jogamos todos, improvisamos juntos. Vimos corpos distintos e bocas soltando o verbo aos poucos, reintegrando-se através de um desvendar de mundo muito peculiar. Vimos redescobertas de espaços através do jogo teatral que desnudava aos poucos cada um de nós e mostrava o mundo real, nosso e delas. Uma provocação ao imaginário através de temas surgidos em roda e resolvidos através da ação, do corpo, do jogo, onde todos repensavam sobre a relação Homem X Mulher e propunham, de improviso, um olhar coletivo sobre outros temas surgidos ao acaso. O que provocava fluxo de idéias, alguma atividade e prontidão para a ação no jogo.
Eu e Saulo Campos encenamos “A História dos Três Bois” e “Chico Rei”. Foi forte ouvir os sons do saxofone ocuparem cada cela daquele pavilhão e possivelmente de outros. Escutar as estórias ecoarem, atingirem ouvidos distantes da aula, tilintarem a audição de carcereiros e policiais. Em seguida, as mulheres escreveram cartas, leram depoimentos, cantaram, desejaram feliz aniversário ao Torreão, abraçaram, despediram. Sem palavras. E se aqui disponho algumas são certamente reduzidas em potencialidade.
Obrigado mulheres, Álvaro, Thálita, Emerson e Saulo!
Daniel Sapiência Torreão
2 comentários:
Saulindo e Daniluminado, agradeço verdadeiramente a presença de vocês no presídio de Ponte Nova. Cores, sorrisos, versos. Tudo misturado num lugar tão igual. Vocês não imaginam o quanto forma importantes na vida daquelas mulheres. Obrigado por existirem. Axé!!!
Emerson de Paula
Muito axé, Emerson! Aquelas mulheres nos presentearam com muito axé também! Anestesiado sempre que penso, uma nestesia que paralisa por alguns instantes, abre os olhos e faz gerar mais arte pra vida. Valeu, meu camarada!
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